30 de agosto de 2010

Pausa para Pensar nas Perguntas que Elaboramos

Quando se elabora um questionamento ou se problematiza o tema de pesquisa histórica, costuma-se fazer algumas interrogações: por que isso aconteceu? De que maneira? Quais os fatores que contribuíram para esse acontecimento? São algumas das perguntas iniciais que fazemos acerca dos acontecimentos passados. O modo como elaboramos a pergunta resulta num tipo de resposta. Pode-se descobrir algumas aspectos interessantes do projeto e do método que estão em elaboração, quando a pergunta é colocada sob análise.


Princípios de entendimento do real histórico: explicação, compreensão e interpretação

Agnes Heller afirma que, de um modo geral, aceita-se duas formas, princípios ou métodos básicos de entendimento do real: explicação e interpretação e compreensão. Ambos pretendem despertar o sentimento do "eu entendi". A escolha entre as abordagens é uma opção entre duas filosofias. Nenhum trabalho historiográfico pode ser escrito sem auxílio das duas abordagens, e elas não se excluem, necessariamente. A explicação é a base da Filosofia, originando-se no pensamento grego clássico. A interpretação é oriunda da tradição contemporânea da hermenêutica, ramo da Filosofia que se debate com a entendimento e a interpretação dos textos, sendo que a compreensão vem dos estudos sociológicos de Max Weber.

No questionamento que começa com o ponto de partida por que isso aconteceu?, a questão fundamental é um pedido de explicação. Trata-se de uma pergunta cuja resposta tende a ser: aconteceu por causa disso ou daquilo. O princípio da explicação é a busca da causa, da origem de algo que se quer conhecer. A respeito do princípio de entendimento baseado na explicação e na busca da causa, Agnes Heller afirma: “de tudo aquilo que existe ou que sempre existiu, do que acontece ou do que aconteceu, pode-se supor sempre que tenha (ou tivesse) uma causa (ou causas).” Ela pode ser interna ou externa ao evento, desde que seja uma causa.
A explicação coloca o fato histórico numa cadeia de fatos que formam a causa e a conseqüência uns dos outros. Não há acaso, todos os acontecimentos estão no desdobramento do percurso ou do processo histórico. Estudar esse desdobramento é uma maneira de obter a resposta sobre o porquê houve determinada mudança, geralmente buscando suas origens e as conseqüências no passado. Passado e presente estão sempre em relação causal.
É importante destacar que quando a explicação é a base do questionamento e do entendimento histórico, a noção de tempo adequada é a diacrônica, posto que o historiador necessita ordenar os fatos numa sucessão ou num processo. Nos dois casos, ele operará com a diacronia, a linearidade (cronológica ou processual).
Assim, constata-se que o questionamento originado da explicação – Por que isso ou aquilo? - conduz a um tipo de projeto histórico, cuja tendência é colocar os fatos ordenados numa cronologia ou processo (diacronia), na medida em que a relação causal ou o desvendamento do processo histórico formam a base do conhecimento histórico a ser produzido.

Na interpretação e na compreensão, a questão fundamental, o ponto de partida da formulação de um novo conhecimento, é a busca do significado, da aparência e do sentido das coisas (doxa ), a reconstituição do significado dos símbolos, bem como o sentido das declarações, entendendo os sujeitos históricos (individuais e coletivos), suas vontades, seus desejos, idéias, objetivos. O historiador, nessa abordagem pergunta: De que maneira isso aconteceu? Qual é a leitura que se pode fazer dessa experiência histórica? Quais são os significados implícitos?
O questionamento fundamental não é a verificação do por que determinada fato aconteceu, tampouco das suas causas e conseqüências. O que o historiador deseja constatar é o aparecimento, a repetição ou a permanência dos fenômenos, verificando os sentidos a eles atribuídos, bem como os momentos de mudança dos eventos estudados, sem colocá-los num efeito de causação.

O historiador procura símbolos, sinais e significados nos documentos e nas práticas sociais, propondo-lhes uma leitura, uma interpretação ou compreensão , respeitando o seu universo, até conhecer, conforme escreve Marilena Chaui, o “sentido das ações, das práticas, dos comportamentos, das instituições sociais e políticas, dos sentimentos, dos desejos, das transformações históricas, pois o homem, objeto dessas ciências [humanas], é um ser histórico cultural que produz as instituições e o sentido delas. Tal sentido é o que precisa ser conhecido.”

O historiador lê atentamente os depoimentos, as declarações, os discursos e signos. Somente os lê sem a intenção de construir uma explicação sobre as causas da mudança ou o porquê dos processos, pensamentos, desejos e ambições dos indivíduos e dos grupos. Em vez da explicação causal, o objetivo do pesquisador é atingir o significado dos desejos, volições, ideias e concepções e práticas sociais de uma determinada época.

Quando a interpretação e a compreensão formam a base do entendimento do real histórico, a noção adequada de tempo é a sincrônica, ou seja, o tempo das vivências sociais simultâneas, descontínuas, múltiplas, plurais e heterogêneas, em desobediência à cronologia e ao processo lineares.

Explicação e interpretação/compreensão são duas formas válidas de abordagem e de entendimento da história. Elas não se excluem e podem conviver num mesmo estudo, respeitando-se as suas concepções mais apropriadas de tempo. A opção por uma ou outra, dependerá da escolha do tema e da opções metodológicas do historiador. Por essa razão, é importante observar as opções do pesquisador, oriundas geralmente da sua formação e visão de mundo.

É parte do processo de constituição do projeto e do método, a clareza quanto à concepção básica de entendimento da história e da noção de tempo. O objeto histórico de pesquisa tende a trazer a marca da subjetividade do historiador, expressa nas suas preferências culturais, na sua formação e escolhas pessoais. Colocar essa subjetividade sob controle também é tarefa do método histórico.

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