8 de março de 2010

Práticas Historiográficas

Práticas historiográficas

Nem sempre os historiadores escreveram com base num método próprio, resultante da combinação de certas temáticas, de documentos disponíveis, de escolhas teóricas, conceituais, e de técnicas de pesquisa destinadas à abordagem das fontes documentais.


2.1 Na Antiguidade
Entretanto desde a Antigüidade escreve-se muito sobre a história, ou seja, produz-se História. São conhecidas as obras de Heródoto, Xenofontes, Tucídedes, Tito Lívio, Júlio Cesar, Plutarco, Cícero, Tácito, Santo Agostinho, São Tomas de Aquino, Maquiavel, Erasmo de Roterdã, Hobbes, Locke, Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros pensadores, que trataram da história ou que se valeram dela para pensar a humanidade. Contudo, eles não produziram uma reflexão sobre o método historiográfico.
As narrativas e relatos históricos originavam-se da vivência, dos depoimentos orais obtidos no cotidiano e da pesquisa em outras fontes, escritas ou não, disponíveis. A memória pessoal, os depoimentos dos contemporâneos ou a leitura de documentos escritos pelos envolvidos nos acontecimentos históricos, com o apoio de concepções filosóficas e políticas, formava a base de produção da escrita da História. É famosa a frase de Heródoto na qual afirma que escreve sobre o que vê, ouve e vive.
Filósofos, historiadores, poetas e teólogos têm na história um cenário para a exposição e reconstituição de determinados acontecimentos. Não é comum o uso sistemático de fontes. Tampouco escrevem longos relatos e narrativas em que o foco é a busca das origens das civilizações e a exposição do desenrolar dos acontecimentos através dos séculos.
Em geral, os textos históricos escritos da Antiguidade até a época moderna caracterizam-se por apresentarem temas específicos, eventos e personalidades marcantes de uma sociedade. A abrangência temporal ainda é limitada, e são comuns as comparações entre os povos, com o objetivo de produzir exemplos e lições para a vida. No século XVIII, ao aparecerem as matrizes explicativas da evolução das sociedades, com o desenvolvimento do pensamento iluminista, ampliam-se os recursos de análise e de investigação, abrindo espaço para a historiografia contemporânea.


2.2 O nascimento da historiografia moderna
Anunciada por estudos e procedimentos técnicos desenvolvidos desde o Renascimento, a historiografia contemporânea desenvolveu-se no século XIX, quando os estudiosos da história são influenciados pela idéia de produzir conhecimentos fiéis aos fatos, comprovando-os através das fontes históricas disponíveis. A necessidade da comprovação dos fatos estudados conduz ao resgate dos acervos documentais e à criação de institutos e centros de pesquisa, museus, arquivos e academias especializadas.
O uso do arquivo e o desenvolvimento da pesquisa sobrepõem-se à imaginação, à retórica e ao pensamento livre do historiador. O livro de História modifica-se. Em suas páginas lêem-se as explicações oriundas de sólido material empírico, ao sabor das fontes e do arsenal de técnicas desenvolvidas pelos eruditos. Ao ampliaram e especializarem os estudos do passado das sociedades, os historiadores contribuíram para a difusão das análises da evolução das civilizações, dos fatores de ascensão e queda dos impérios, dilatando como nunca os limites temporais e espaciais da História.


2.3 A historiografia do século XIX
Com a publicação da Historia dos Povos Latinos e germânicos, Leopold von Ranke produz um novo cenário de discussões em torno da atividade do historiador. Estabeleceram-se as normas para escrever a História. A pesquisa e a escrita do texto histórico transformam-se numa atividade profissional de historiadores e de professores.
A historiografia do século XIX tem suas próprias marcas. De acordo com Julio Casanova, os historiadores fixam-se no caráter científico da História, "na imparcial imersão nas fontes, na reconstrução das intenções dos atores e do curso dos acontecimentos e na percepção intuitiva de um contexto histórico mais amplo. E para transmitir tudo isso, o historiador encontra na narração a forma mais precisa e correta de elaborar seu discurso."
Os estudos históricos tratam principalmente dos fatos políticos, militares, diplomáticos e religiosos. Os ingredientes primordiais dessa tendência da História, proposta pelo historicismo alemão e dominante nas universidades européias durante o século XIX e começos do XX, podem ser assim resumidos:


  • ênfase no relato dos acontecimentos políticos e militares e nas relações internacionais entre Estados
  • formulação de métodos específicos da disciplina
  • resistência à generalização e abstração das ciências sociais e à intromissão de qualquer dimensão social ou econômica para o entendimento do fato histórico;
  • enfim, uma história política, a serviço do poder legitimado, que recusava a teoria e adotava a narrativa como fio condutor.


Esse esforço dos historiadores do século XIX produziu um legado importante. Depois deles, não se escreve mais a História sem o uso do documento, sem a crítica rigorosa e avaliação técnica das fontes. Deve-se a eles, também, o aproveitamento de outros documentos (moedas, inscrições, monumentos, dados lingüísticos) e a criação de inúmeros institutos históricos, revistas especializadas, centros de pesquisa e a criação de cursos de formação de profissionais da História.
Nas grandiosas narrativas dos historiadores do século XIX, as fontes são examinadas com rigor. O documento produz o fato único e irrepetível. Ao historiador cabe a descrição, a leitura e compreensão dos documentos e a ordenação cronológica dos acontecimentos e de suas correlações.
Também no século XIX, novas profissões ganham contorno, resultado do amplo desenvolvimento da Ciência e do aparecimento da Sociologia. Esse fato coincide com a adoção da História como uma disciplina escolar, produzindo a figura do professor de História e a adoção do livro escolar com conteúdo pertinente à área. A conseqüência direta é o desenvolvimento das atividades do historiador profissional e a fixação de normas para a elaboração do texto histórico.
O historiador transforma-se no professor, no pesquisador e no escritor que escreve a História dos povos. França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Brasil e demais nações ganham uma versão particular de sua história, de sua origem e destino comuns, baseada sempre em fontes e em fatos únicos, irrepetíveis e individuais. Para facilitar a leitura e o ensino, divide-se a história em grandes blocos de tempo: História Antiga; História Medieval; História Moderna; História Contemporânea e História nacional, preservados até os dias atuais e base dos currículos e das publicações no mundo ocidental. As grandes narrativas históricas do século XIX originam versões oficiais da história nacional, verdadeiras tentativas de tornar compreensível a vivência coletiva das jovens nações.
Na Europa, são criadas cadeiras de História nas faculdades, disciplinas nos currículos escolares; arquivos, instituições históricas e revistas especializadas alimentam o universo do historiador. No Brasil, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, criado em 1838, destaca-se e publica, a partir de 1839, a célebre Revista Trimestral, a mais antiga publicação em série de um instituto brasileiro.
Cria-se o mundo dos historiadores - o nosso mundo! - com produtores, agentes de difusão e instâncias de sua consagração. Desenvolve-se, também, o hábito da leitura do livro de História e aparecem as edições históricas e o seu crescente público leitor.

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